Mesmo com boa fé, quem recebe dinheiro errado pode ter problemas ao devolver. Justiça tem sido inundada de processos sobre assunto
Do portal Metrópoles –
“Faz um Pix“. A expressão que virou quase corriqueira para mais de 100 milhões de brasileiros é também sinônimo de atenção redobrada. Com todas as facilidades da transferência instantânea, sem cobranças de taxa, um erro no número da chave ou na letra do e-mail pode significar dor de cabeça, seguida de prejuízo, tanto para quem erra o Pix, quanto para quem recebe o valor por engano.
A Justiça brasileira, em todas as instâncias, tem sido inundada com processos que envolvem a palavra “Pix”. Embora ainda não haja um quantitativo calculado de ações envolvendo o assunto, as ações judiciais devido a um erro por correria ou falta de atenção têm crescido significativamente.
O Banco Central criou a ferramenta “devolver valor”, que pode ser usada por quem recebe um Pix por engano. No entanto, a instituição financeira não pode ser responsabilizada por erro cometido pelo titular da transferência.
Isso não exime o recebedor de devolver a quantia. Entretanto, tudo vai parar na Justiça, seja cível ou criminalmente. Até quando a devolução é de boa fé.
Encargos
Em março de 2021, um morador da cidade de São Paulo recebeu um Pix errado de R$ 18 mil em sua conta. A mulher que fez a transação para a pessoa errada pediu ao banco que fosse realizada a devolução do dinheiro. O banco em questão chegou a falar com o recebedor, mas o homem ressaltou que só o faria mediante autorização judicial, a fim de garantir que não teria problemas com taxações e cobranças da Receita Federal.
Devido ao alto valor do Pix, o recebedor poderia ser taxado pela Receita e obrigado a explicar a origem do dinheiro. Assim, o caso foi parar no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). João* alegou a todo momento que somente queria uma garantia da isenção de taxas. O banco recorreu, disse que não havia necessidade desse tipo de garantia uma vez que era um processo de devolução.
A conta do homem que recebeu o dinheiro errado foi bloqueada enquanto o processo corria na Justiça. Somente em setembro de 2021, o caso saiu da 1ª instância local. Os desembargadores decidiram que o banco não deveria arcar com as taxas e a mulher que fez a transferência errada deveria pagar, junto com o recebedor, os honorários advocatícios. O banco foi inocentado.
Ou seja, o homem que não tinha relação nenhuma com a mulher, recebeu R$ 18 mil errados em sua conta, queria devolver, tentou garantir que não seria taxado e acabou tendo que pagar advogados do caso. O caso mostra como só a boa fé não basta em casos envolvendo transações bancárias.
Como agir
Foram ouvidos dois especialistas na área tributária para que os usuários do Pix não caiam nessas ciladas. A primeira dica é simples: preste muita atenção na hora de realizar a transação. Confira número, nome, todos os dados das pessoa para quem você deseja transferir o dinheiro.
Se mesmo assim deu errado, a pessoa que fez o envio equivocado deve entrar em contato com o banco imediatamente. Ela deve esperar o recebedor tentar contato para negociar o estorno. O banco não pode fazer isso diretamente, devido ao sigilo bancário.
Quem recebeu a quantia errada deve guardar o dinheiro para devolver. “Se você recebe um valor indevido, é sua obrigação reservar aquele dinheiro esperando num prazo razoável que a pessoa te procure. Se a quantia for muito alta, a Receita provavelmente vai rastrear, mas o usuário pode pegar declaração do banco e até da pessoa que transferiu errado para justificar no Imposto de Renda a transação”, explicou a sócia da área tributária da Siqueira Castro Advogados, Gabriela Miziara Jajah.
Sem reversão unilateral
O sócio da Montezuma e Conde Advogados Associados e presidente da Comissão de Direito Bancário da OAB/DF, Benito Conde, ressalta que a realização equivocada de uma transferência via Pix não pode ser revertida unilateralmente pelo pagante, pois se trata de uma transferência instantânea cujo valor é transferido imediatamente após inserida senha da conta do usuário.
“Caso o usuário finalize uma transação que percebeu ser equivocada, deverá buscar contato diretamente com o recebedor e solicitar que o mesmo utilize a funcionalidade “devolver valor” já proporcionada pelo próprio sistema de transferência Pix”, ressaltou o advogado.
Ele frisa que a devolução é obrigatória pois, caso o usuário não o faça, estará incurso nas penas do crime previsto no art. 169 do Código Penal.
“Obviamente que os usuários do PIX devem ter atenção para que não cometam equívocos na transferência, mas importante que tenham conhecimento que a devolução é ato obrigatório que, caso não realizada, poderá ocasionar problemas na esfera judicial”, lembrou Conde.
Se a ferramenta não der certo ou houver dúvidas sobre taxação, o usuário deve procurar um advogado. Em caso de recusa na devolução, a Justiça também deve ser acionada.