A rede social Twitter anunciou nesta segunda-feira (25/4) que chegou a um acordo para venda da empresa ao bilionário Elon Musk, um negócio avaliado em US$ 44 bilhões
A expectativa é de que a operação seja concluída ainda esse ano, após passar pela aprovação dos acionistas e de órgãos reguladores. Com a aquisição, a empresa deve fechar seu capital, deixando de ter ações negociadas em bolsa.
Homem mais rico do mundo segundo ranking da Forbes e fundador da empresa de tecnologia aeroespacial SpaceX e da fabricante de veículos elétricos Tesla, Musk tem defendido uma série de mudanças na plataforma.
“A liberdade de expressão é a base de uma democracia em funcionamento e o Twitter é a praça da cidade digital onde assuntos vitais para o futuro da humanidade são debatidos”, afirmou Musk, em comunicado, após a confirmação da aquisição.
Entre as alterações esperadas no Twitter sob o comando de Musk estão mudanças na forma de moderação de conteúdo; avanço da monetização — como é a chamada a geração de receitas a partir de publicações e o impulsionamento de conteúdo mediante pagamento; restrições a bots (perfis automatizados); avanço da verificação de perfis; além de maior transparência ao algoritmo da plataforma, a tecnologia usada para personalizar o conteúdo exibido para cada usuário.
Especialistas alertam, porém, que essas não são mudanças banais e, dependendo da forma como forem feitas, podem interferir na formação da opinião pública e na própria democracia.
Entenda em cinco pontos o que pode mudar no Twitter sob o comando de Elon Musk, segundo especialistas consultados pela BBC News Brasil.
1. Moderação de conteúdo
“Investi no Twitter porque acredito em seu potencial de ser a plataforma para a liberdade de expressão em todo o mundo, e acredito que a liberdade de expressão é um imperativo social para uma democracia em funcionamento”, escreveu Musk em uma mensagem ao conselho de administração do Twitter, quando apresentou sua proposta de compra da empresa, em 14 de abril.
Em março, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, o bilionário disse ter recusado pressões de governos para que sua empresa de internet por satélite Starlink bloqueasse conteúdo de veículos de imprensa russos.
“Não faremos isso a não ser sob a mira de armas. Desculpe ser um absolutista da liberdade de expressão”, tuitou Musk à época.
Assim, a aquisição do Twitter por Musk gera grande expectativa de que ele possa afrouxar os mecanismos de moderação de conteúdo pela plataforma.
Críticos avaliam que isso pode dar espaço à proliferação de discursos de ódio e a conteúdo extremista hoje barrado pelas regras da rede social.
“A lógica de Musk é que os discursos precisam ser livres para serem moderados no mercado de ideias”, observa Christian Perrone, coordenador de direito e tecnologia do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade) do Rio.
“Há uma incerteza sobre como vai ficar a moderação de conteúdo após a aquisição, pode abrir espaço para desinformação e discursos mais polarizados”, observa o especialista.
Sergio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisador de redes digitais, vê com preocupação as possíveis mudanças.
“No ano passado, o Twitter divulgou no seu blog uma pesquisa que mostra, por exemplo, que em sete países, com milhões de tuítes avaliados, os discursos de direita eram mais distribuídos ou impulsionados do que os discursos de esquerda”, lembra Amadeu.
“Então nós sabemos que essas plataformas não são neutras, elas interferem na atenção que as pessoas têm sobre conteúdos e, portanto, na democracia e na formação da opinião pública. Isso me preocupa muito”, diz o professor.
“Quando você tem um sistema gerenciado por algoritmos, combinado a um poder econômico ilimitado, pode haver uma junção extremamente tóxica para a democracia.”
2. Maior monetização
Uma segunda mudança esperada sob Musk é uma maior monetização dos conteúdos, por exemplo, com impulso maior de publicações mediante pagamento.
Diante do entusiasmo do bilionário sul-africano por criptomoedas, analistas avaliam que ele também pode impulsioná-las na rede social.
“Com o avanço da monetização, quem tem mais dinheiro ganha. É o que está acontecendo, por exemplo, no Facebook e no YouTube”, observa Amadeu.
“Ou o que aconteceu no Brasil em 2018. Costuma-se dizer que a campanha de Bolsonaro foi barata, mas ela não foi. Foi uma campanha distribuída, com muito dinheiro, muitos disparos e muito uso de plataformas de mensagem como o WhatsApp. Muita grana foi gasta”, diz o professor da UFABC, citando um exemplo brasileiro de impulsionamento de conteúdo com objetivos políticos.
O presidente brasileiro sempre negou que sua campanha tenha utilizado recursos como disparos em massa em plataformas digitais.
3. Abertura do algoritmo
Musk tem prometido abrir o algoritmo do Twitter, dando transparência à tecnologia usada para personalizar o conteúdo exibido para cada usuário.
“Uma das coisas que eu acredito que o Twitter deveria fazer é abrir o código do seu algoritmo, e [se eles] fizerem alguma alteração nos tweets das pessoas, se forem impulsionados ou não, essa ação deve ser tornada aparente para que todos possam ver que ação foi tomada, para que não haja manipulação nos bastidores, seja algorítmica ou manualmente”, defendeu o empresário.
Christian Perrone, do ITS-Rio, avalia que a maior transparência, no entanto, pode ser uma “faca de dois gumes”.
“Por um lado, isso gera maior clareza de como as coisas funcionam. Vamos entender que tipo de coisas são moderadas, que intervenções são feitas, como se dá o sopesamento no processo de moderação”, observa Perrone.
“Mas, da mesma forma, quando se tem uma maior clareza sobre o funcionamento do algoritmo, pode ter pessoas que vão aprender como burlá-lo. Você pode entregar as regras do jogo para jogadores irresponsáveis, com uma agenda não positiva”, diz o especialista, alertando para a possibilidade de manipulação da plataforma.
Amadeu, da UFABC, por sua vez, avalia que a maior transparência do algoritmo é positiva, mas não suficiente.
“Abrir o algoritmo significa que qualquer pessoa com habilidade técnica, com conhecimento de ciência de dados e estatística, vai poder entender como o algoritmo funciona. Isso é bom porque vai permitir com que a gente saiba a operação efetivamente, o que a plataforma faz com os dados que recebe. É importante que a sociedade saiba isso”, afirma.
“Mas isso é tão complexo, que só a abertura não resolve, precisa haver a possibilidade de que técnicos independentes avaliem como aquilo está funcionando”, diz o especialista, defendendo a possiblidade de auditoria dos dados abertos pela sociedade civil nos diferentes países em que o Twitter atua.
4. Batalha contra os bots e avanço da verificação
Uma outra bandeira de Musk ao comprar o Twitter é reduzir a atuação na plataforma de perfis automatizados, conhecidos como bots (de “robots”, robôs em inglês).
Ele também promete ampliar a verificação de perfis de pessoas reais. No processo de verificação, a rede social pede documentos e dados para provar que uma pessoa é ela mesma, conferindo um selo azul para as páginas verificadas, que passam a gozar de maior credibilidade com isso.
Perrone observa, porém, que há complexidades nesse processo.
“Em primeiro lugar, é muito difícil definir o que é um bot”, observa o especialista.
“Um segundo ponto é que nem todo bot é por definição ruim, existem bots que são utilizados de maneira super positiva, para impulsionar informações que de outra forma ficariam restritas a um grupo muito pequeno de pessoas.”
No Brasil, por exemplo, o Twitter bloqueou o funcionamento da Fátima, bot lançado em 2018 pela agência de checagem Aos Fatos, que compartilhava informações aos usuários sobre notícias falsas.
Já uma maior disseminação do processo de verificação de perfis gera preocupação sobre a segurança de dados e privacidade dos usuários, que precisarão entregar mais informações à rede social que agora será controlada por Musk.
5. Plataformização
Amadeu, da UFABC, avalia que a compra do Twitter por Musk pode ser o início de um processo de aquisições de outras plataformas pelo bilionário, para formar um conglomerado de serviços de informação, a exemplo de empresas como Alphabet (a dona da Google), Meta (controladora do Facebook), Microsoft e Apple.
“Com a aquisição do Twitter, talvez ele esteja mirando um rearranjo nas suas empresas”, avalia o analista. “Não há hoje grande conglomerado que não tenha no seu cerne diversas plataformas.”
“Chamo de plataformas o arranjo de uma infraestrutura digital que reúne dados da oferta e da demanda de diversos produtos e passa a dominar vários mercados ou adquirir posições muito importantes em mercados variados. Amazon, Microsoft, Alphabet e Meta estão fazendo isso e talvez Elon Musk tenha percebido que ele tenha que fazer o mesmo”, avalia.
*Fonte: BBC