58,6% dos participantes da pesquisa disseram que foram prejudicados durante o processo de seleção e contratação por serem gordos
De comentários maldosos à falta de acessibilidade, a gordofobia no ambiente de trabalho existe e precisa ser discutida. Dados preliminares de uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) trazem à tona a realidade de um assunto pouco debatido: quase metade dos trabalhadores ouvidos pelo estudo afirmam que foram vítimas de preconceito em algum momento da carreira.
Hoje, 10 de setembro, no dia de luta contra a gordofobia, especialistas listam impactos para a saúde mental dos funcionários. Além de afetar a autoestima — diretamente ligada ao desempenho —, o preconceito oprime trabalhadores, que, inseguros, encontram barreiras nas próprias empresas para denunciar.
Responsável pela pesquisa, a doutoranda em comunicação social Dayana Barbosa, avalia que os dados apontam para a necessidade das empresas repensarem políticas de diversidade e de fortalecimento de ações de inclusão voltadas a trabalhadores obesos.
“Dos entrevistados, 59,7% disseram que não sentem haver ambiente seguro de acolhimento das denúncias nas empresas”, acrescentou Dayana. Ela considera que, mesmo com um interesse maior das empresas na área de diversidade e inclusão, a gordofobia é deixada para trás, mesmo em “ambientes mais progressistas”.
O estudo, que ainda está em curso, mostra que a gordofobia pode, ainda, minar oportunidades de trabalho. Dos participantes da pesquisa, 58,6% disseram que foram prejudicados durante o processo de seleção e contratação por serem gordos.
Mesmo quando ocorre a contratação, pode haver dificuldade para acessar posições de maior prestígio em empresas. “Muitas vezes as pessoas gordas são contratadas, mas não conseguem subir em processos internos apenas pela sua aparência, mesmo tendo um excelente currículo. Como vão se sentir confiantes em desempenhar o melhor trabalho, se o seu chefe acredita que pessoas gordas são preguiçosas, desleixadas e burras?”, reflete a psicóloga Gabriele Menezes da Costa, especialista em transtornos alimentares e de imagem e ativista na luta antigordofobia.
Necessidade de Discussão
A influenciadora digital Ana Luiza Palhares, conhecida como “Cinderela de Mentira” no Instagram, considera que a questão não é sobre estética: “é sobre respeito e quebra de padrões”.
“Precisamos entender que um corpo gordo é só um corpo. Ele merece respeito e é tão digno e eficiente como qualquer outro tipo de corpo. Muitas vezes, as pessoas perdem oportunidades de trabalho por questões que vão desde coisas simples como uniforme do tamanho correto até questões complexas, como a falta de acessibilidade ou a maneira de enxergar a pessoa como incapaz”, explica a influencer, que tem 190 mil seguidores
A pesquisadora Dayane Barbosa concorda com Ana. “A gordofobia é um preconceito estrutural, institucionalizado, que vai se caracterizar pela privação de direitos”, explicou.
Legislação
Embora não exista uma legislação específica no Brasil para tratar a gordofobia no ambiente de trabalho, a advogada trabalhista Tâmara Bernardes afirma ser “proibido qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho”. O caminho para quem se sente afetado é acionar a Justiça Trabalhista.
A dificuldade, no entanto, é conseguir provar a relação da discriminação com a condição corporal. “O empregado que se sente ridicularizado, humilhado ou ofendido. Mas, ao ingressar com uma ação na Justiça do Trabalho, ele deverá provar (por e-mails, gravações de áudio e vídeo, e, principalmente, por meio de testemunhas) a ocorrência destas situações”, explica.
A defensora corrobora a análise da doutoranda da UFMG sobre a escassez de políticas preventivas nas empresas para evitar atos de opressão, como a gordofobia. “Tenho percebido que algumas organizações esquecem que seus colaboradores são seu principal ativo”, considera.
Entenda o que é Gordofobia
Um assunto tão pouco debatido que demanda esclarecimentos práticos: o que ser gordofóbico? O preconceito está tanto inserido em piadas maldosas, quanto em dificuldades de acessibilidade em serviços públicos e privados.
Com auxílio da influenciadora Ana, a reportagem lista alguns exemplos de situações de preconceito que merecem ser debatidas.
- Falta de estrutura em estabelecimentos (vão desde cadeiras que não comportam o peso da pessoa até a falta de acesso a equipamentos de saúde);
- Dificuldade de opções no mercado de vestuário;
- Gordofobia na alimentação. “É como se precisássemos sempre nos justificar só por temos o corpo que temos”, diz Ana;
- Julgamento moral sobre o corpo;
- Catraca no transporte público que impossibilita a passagem de pessoas obesas;
- Pensar que magreza é sinônimo de saúde.
*informações O Tempo