Apesar de todos os documentos estarem em dia, idosos denunciam que não conseguem se aposentar pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). De acordo com fontes ouvidas, um dos principais motivos para isso é uma defasagem no corpo de funcionários do INSS, o que deixa “escapar” erros em meio à alta demanda de serviços.
Até novembro, o somatório de requerimentos das aposentadorias em análise chegou a 559,9 mil, conforme dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP). O número considera as aposentadorias por idade e por tempo de contribuição. No total, a fila de requerimentos de benefícios em análise é de 1,838 milhão.
A fila parada, e crescente, tornou-se um pesadelo para muitos trabalhadores que buscam a aposentadoria. É o caso de Ronaldo José dos Santos, que aguarda há mais de três anos pela concessão do benefício, mesmo tendo cumprido todos os requisitos necessários.
Representante comercial, aos 69 anos, Ronaldo não consegue aproveitar a idade para descansar. Vive com a ajuda do filho, que paga seu aluguel e outras despesas. Quando foi procurar o INSS para entender a negativa, ouviu que ainda não tinha completado os 15 anos de tempo de serviço necessários, o que não era verdade.
“Afirmei que faltavam duas empresas que estavam numa carteira que perdi, mas que isso deveria constar no sistema do INSS. Tenho as comprovações de que trabalhei nesses lugares e o tempo. Então fui ao Ministério do Trabalho de Niterói (RJ) entender o que houve”, contou.
“Eles me falaram que tudo o que ficou para trás de 1976 não aparece no sistema e que toda a documentação foi incinerada por conta disso. Falei que era preguiça deles de procurarem meus documentos. Tudo má vontade”, acrescentou.
O filho de seu Ronaldo, conhecido como Ronald Sorriso, lamenta a situação do pai. “É muito triste. Ele vai ter que continuar trabalhando como autônomo a vida toda ao invés de descansar. Quando ele deu entrada no pedido, não constava o tempo de contribuição total. Não apontavam os anos de trabalho dele no supermercado e em outra empresa. É um absurdo”, comentou.
Em 20% dos casos, o problema está na hora de entrega dos documentos ao INSS. No entanto, quando isso não ocorre, e os aposentados acabam caindo na fila de espera sem motivos, a autarquia deve pagar com juros o atraso. A medida foi oficializada em portaria publicada no Diário Oficial da União em setembro.
O INSS informou que os juros estão sendo calculados desde 10 de julho deste ano, quando começaram a expirar os prazos para alguns tipos de benefício. Além disso, o órgão é obrigado a aplicar correção monetária da inflação medida pelo INPC.
Francisca Ferreira de Queiroz, 82 anos, conseguiu ser protegida pela regra. A costureira ficou quatro anos esperando pelo benefício.
“O direito foi reconhecido pelo próprio INSS há um ano, em outubro 2020, por última instância. E o pagamento? Nada. Só deve vir agora, em 14 de dezembro! Indignação me define”, disse sua filha, Vírginia Queiroz. “Ninguém imagina como essa espera afetou ela psicologicamente. Pandemia, dentro de casa, sem poder receber as clientes, sem renda extra…”, lamentou.
Quando saiu a carta de concessão da aposentada, o sentimento da família foi uma mistura de alegria e alívio. “Um verdadeiro martírio! Foi dia de choro e comemoração”, concluiu.
Defasagem de funcionários
De acordo com fontes da própria autarquia, que preferiram não se identificar, a situação no INSS está “caótica” devido a um forte encolhimento no quadro de funcionários. O órgão negocia, inclusive, a transferência de mil trabalhadores da Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária) para auxiliar no atendimento a beneficiários da Previdência Social.
O empréstimo de mão de obra da estatal está em discussão desde maio para evitar que atividades que tratam da Previdência Social sejam ainda mais comprometidas.
“O governo abandonou os órgãos públicos. Está tudo desmontado. O último concurso foi realizado em 2015 no governo Dilma. De lá para cá, também morreu muita gente por causa da Covid-19, outros se aposentaram, servidores mais novos foram pra outros órgãos. Está sem servidor”, afirmou um funcionário.
Desde 2016 até este ano, foi registrada uma queda de 10 mil funcionários. O quadro de pessoal do INSS caiu de 33 mil para 23 mil no período.
Fila não recua
A fila do INSS tem sido o principal desafio dos presidentes que assumem o órgão. Desde o fim de 2019, quando a crise estourou, três presidentes passaram pela gestão do instituto: Renato Vieira, Leonardo Rolim e, agora, José Carlos Oliveira. Na ocasião, o número de pedidos de benefícios que aguardavam a análise do INSS ultrapassou os 2 milhões.
O governo federal chegou a anunciar, em janeiro do ano passado, uma força-tarefa para resolver o problema. O INSS previa contratar temporariamente 7,4 mil servidores aposentados e militares inativos. Nem todos os cargos, entretanto, foram ocupados.
Questionado sobre o assunto, o INSS afirmou que “o pedido de concurso foi enviado ao Ministério da Economia e agora aguarda-se uma posição”. “Entendemos que outros órgãos da Administração Pública Federal também encaminharam suas solicitações e precisam reforçar os seus quadros. Temos que aguardar e vamos respeitar a questão orçamentária”, explicou o órgão.
A solicitação do concurso prevê 7.575 vagas – 6.004 para técnico do Seguro Social e 1.571 para analista do Seguro Social.
Em meio ao aperto do INSS, a equipe econômica quer aprovar no Congresso a reforma administrativa, que tem como objetivo reduzir os custos com pessoal. Guedes, em defesa da agenda liberal, tem barrado a abertura de concursos públicos.
*Fonte: Metrópoles