“Não vou descansar até que esta escola seja banhada na morte”. O trecho de um bilhete deixado em uma instituição de ensino de Itabirito, na região Central de Minas, mostra a escalada de ameaças de massacres nas escolas do Estado. Levantamento realizado por O Tempo aponta que pelo menos 13 casos foram noticiados. O ambiente que deveria ser de aprendizado passou a ser de “medo”, conforme relatado por quem exerce a profissão de educador.
Na Escola Municipal Manoel Salvador de Oliveira, em Itabirito, somente em uma semana foram contabilizadas três ameaças. Aulas chegaram a ser suspensas pelo temor de que o pior acontecesse. A Polícia Civil, conforme informado à reportagem, conseguiu evitar, por meio de trabalho investigativo, que quatro massacres escolares acontecessem nos últimos 12 meses.
Desde a volta às aulas, após o período de isolamento imposto pela pandemia de Covid-19, um comportamento mais agressivo tem sido observado nos alunos. “Em uma roda de professores conversávamos que a escola sempre teve briga, pelo fato de ser um espaço de convivência, mas temos ouvido relatos de que todos os dias, por exemplo, tem discussão de aluno no recreio”, conta a professora Denise Romano, que também é coordenadora geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE MG).
As ameaças de massacres vêm sendo registradas em várias cidades de Minas, o que faz com que os casos não sejam isolados, conforme aponta Denise. “Os números mostram que não tem nada de isolado, apesar de o Estado tratar como tal”. O medo de as ameaças serem concretizadas é visto na comunidade escolar. Por isso, e diante do aumento de ameaças de massacres, entender o que leva alunos a ter tal comportamento é essencial, segundo a psicóloga Samantha Alves.
O que diz a psicologia
“Temos alguns fatores que podem contribuir. Pode ser a forma encontrada para reagir ao bullying, já que esse tipo de agressão gera efeitos psicológicos na personalidade e acaba fazendo com que o adolescente reaja de forma agressiva. O núcleo familiar, que não valida os sentimentos dos jovens, e isso, sim, contribui para eles se manifestarem de tal forma”, sugere.
O que não pode acontecer, de forma alguma, nos casos de ameaças de massacre é a “negligência”. “Não podemos achar que não vai dar em nada e que o aluno só quer chamar a atenção ou pressionar a escola. São jovens que precisam de acompanhamento profissional de psicólogos e psiquiatras. Não podemos tratar como coisa normal”.
Observar os sinais é importante
Observar os sinais comportamentais é outra forma de analisar o que pode estar por vir. “Esse tipo de situação (ameaças de massacres) não acontece de uma hora para outra, mas acabamos caindo nesse mito. Sempre ouvimos alguém comentando: “Do nada o jovem teve tal comportamento”, “era uma pessoa tão tranquila”. Só que qualquer pessoa dá sinais. O problema é que, muitas vezes, não temos a sensibilidade para entendê-los”, pontua Samantha.
‘Emoções reprimidas’
A neuropsicopedagoga Sandra de Fátima Souza sugere que a alta exposição de crianças, adolescentes e jovens às telas também acaba contribuindo para um comportamento mais agressivo, aliado com uma dificuldade encontrada pelos pais em educá-los.
“As famílias não estão sabendo lidar com as fases da primeira, segunda e terceira infância e adolescência e acabam as deixando em telas de celular e televisão. Ali estão aprendendo o que é repassado. Os pais não estão conseguindo ser pais. Eles têm muitas dúvidas de como agir e acabam deixando os filhos mandarem neles”, afirma.
O comportamento agressivo visto nas instituições de ensino é, para Sandra, consequência dessa ausência de educação vinda da família. “Na escola, toda fúria e emoções reprimidas são descontadas nos profissionais, pois ali tem normas e regras, e isso eles não sabem, pois acabam achando que o mundo gira em torno deles. Logo, quando algo sai fora do padrão, as ameaças acabam vindo, incluindo as de massacre”.
Medo cada vez mais presente nas escolas
Diante dos casos de ameaças de massacres, o medo tem se tornado frequente nas escolas, e o temor é que a situação piore ainda mais. “No Brasil temos um forte incentivo à violência, e isso parte do presidente da República. Estamos muito perto de vivenciarmos o que vemos nos noticiários dos Estados Unidos. É bem verdade que a cultura armamentista lá é muito mais antiga, porém estamos tendo a violência autorizada pelo Estado. Aquilo que o cidadão não consegue resolver, ele ‘resolve’ na bala”, diz Denise.
A professora acredita que os casos de violência escolar são ainda maiores do que os apontados nos números. “Muitos temem denunciar porque pensam que algo pode acontecer com eles e as famílias. Está muito difícil. Todas as situações de violência dentro das escolas são reflexos da sociedade. É uma omissão e abandono, por parte do Estado, que não tem precedente”.
O que fazer?
Diante de um cenário desafiador, pensar estratégias é essencial para mudar a realidade, conforme sugere a psicóloga Samantha.
“A responsabilidade não pode ser 100% da escola, pois ela tem limitações do que pode oferecer. Seria interessante, mas sempre com a participação da família e de outros profissionais, ter campanhas educativas nas escolas. Mais do que isso, os pais devem manter diálogo com os filhos, ficar atentos aos sinais que eles demonstram e ver o cenário em que eles estão inseridos. É preciso uma rede de apoio para lidar com esta realidade imposta”.
Investigação
Os casos de possíveis massacres são investigados pela Polícia Civil. O delegado Marcelo Teotônio investiga as ameaças deixadas em banheiros da Escola Municipal Manoel Salvador de Oliveira, em Itabirito. “Na segunda-feira (27/6) apareceu a primeira mensagem dizendo que o massacre ocorreria na terça-feira (28). Na terça-feira, outra mensagem dizia que a presença da Polícia Civil no local não impediria o massacre”, explicou o delegado.
Teotônio informou que o primeiro “bilhete” foi escrito no banheiro masculino, já a segunda ameaça apareceu no banheiro das meninas. “Temos algumas linhas investigativas. Estamos analisando se foi um aluno, um funcionário. A câmera não funciona, mas não está descartada a entrada de pessoas de fora (da instituição de ensino)”.
Uma nova ameaça, a terceira em uma semana, aconteceu na última terça-feira (5) e chegou ao conhecimento das autoridades policiais. “Enviamos a perícia e aguardamos os resultados dos trabalhos para delimitar nossa investigação. É um trabalho complicado, pois estamos falando da maior escola da cidade, com 1.100 alunos. Não podemos desacreditar de nada: desde brincadeira para não ter aula e gerar o caos até mesmo um real desejo de praticar um massacre”, finalizou.
O que diz a SEE-MG
Procurada por O TEMPO, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) informou que, quando acontecem ocorrências dentro de escolas estaduais, ou em redes sociais, “sempre acionam imediatamente os órgãos competentes, como medida preventiva de segurança”.
“As equipes de segurança pública comparecem às unidades para averiguar as situações, prestar orientações necessárias e dar prosseguimento às investigações dos casos. Não sendo constatados riscos aos alunos e servidores, as atividades pedagógicas seguem normalmente. As investigações dos casos são de responsabilidade das autoridades competentes, incluindo a Polícia Civil”, diz trecho da nota.
A pasta complementa destacando que “desenvolve e estimula a realização de ações de combate à violência no ambiente escolar, além de contar com importantes parcerias em iniciativas dessa temática”.
Relembre os casos
- 22/2 – Um recado avisando sobre um suposto ataque foi deixado em um poste perto de escola no bairro Jaqueline, em Belo Horizonte
- 6/4 – Ameaça de massacre é pichada em parede de banheiro do Colégio Magnum, no bairro Nova Floresta, na região Nordeste de Belo Horizonte
- 29/4 – Postagem nas redes sociais prometia massacre na Escola Estadual José Pereira dos Santos, em Sarzedo: “Terá sangue”
- 4/5 – Também na internet, uma postagem falava sobre massacre em escola de Passos; adolescentes acusados foram detidos
- 4/5 – Na Escola Estadual Nilo Mauricio Trindade Figueiredo, em Lagoa Santa, uma frase com ameaça de massacre foi escrita em banheiro e mobilizou a Polícia Militar
- 11/5 – Mensagem escrita em banheiro da Escola Estadual Pedro de Alcântara, em Varginha
- 15/5 – Aulas são suspensas na Escola Estadual Frei Afonso Maria Jordá, em Aimorés, após possível massacre: “O negócio vai ficar doido”
- 27/5 – Ameaça nas paredes do banheiro da Escola Estadual Victor Gonçalves de Souza, em Itaúna; uma bomba foi acionada na área externa da instituição
- 1º/6 – Boato de ameaça em escola estadual no bairro Floramar, na região Norte de Belo Horizonte, se espalhou em grupos de alunos
- 13/6 – Escola Estadual Manoel Dias Corrêa, em Itatiaiuçu, teve policiamento reforçado após bilhete ser deixado em banheiro masculino
- 15/6 – Colégio Marista São José, em Montes Claros, teve massacre prometido
- 28/6 – Duas ameaças de massacre são registradas na Escola Municipal Manoel Salvador de Oliveira, em Itabirito: “Banhada em morte”
- 5/7 – Terceira ameaça é registrda na mesma escola de Itabirito, e investigação tenta identificar autoria
Nota da SES-MG na íntegra
Sobre as eventuais ameaças registradas dentro de escolas estaduais, ou em redes sociais, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) informa que as unidades escolares sempre acionam imediatamente os órgãos competentes, como medida preventiva de segurança. As equipes de segurança pública comparecem às unidades para averiguar as situações, prestar orientações necessárias e dar prosseguimento às investigações dos casos. Não sendo constatados riscos aos alunos e servidores, as atividades pedagógicas seguem normalmente. As investigações dos casos são de responsabilidade das autoridades competentes, incluindo a Polícia Civil.
Ressaltamos que a SEE-MG desenvolve e estimula a realização de ações de combate à violência no ambiente escolar, além de contar com importantes parcerias em iniciativas dessa temática, como o Programa de Convivência Democrática, que procura defender e garantir a cultura de paz nas escolas, promover o respeito, um ambiente acolhedor e a mediação de conflitos. Além disso, a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) também atua rotineiramente no ambiente escolar, por meio de programas com a Patrulha Escolar, que realiza rondas preventivas no entorno das unidades de ensino, propiciando um ambiente mais seguro para a comunidade escolar.
*Fonte: O Tempo