Um lugar conhecido como “a cidade rainha dos lagos”, com localização privilegiada no Sudoeste de Minas e de história recente. No auge da ascensão de Capitólio, uma tragédia que matou 10 pessoas põe em risco a continuidade da sobrevivência do turismo. Hotéis, pousadas, restaurantes e donos de lanchas já sentem o prejuízo no setor desde sábado passado, quando um bloco de pedra se desprendeu de um cânion no Lago de Furnas e tombou em cima de uma lancha. Trabalhadores do ramo esperam, otimistas, por investigações que permitam um retorno seguro dos turistas ao paraíso a médio prazo.
A cidade, dona de uma cronologia turística ainda em construção, começou timidamente a aproveitar as águas da Usina Hidrelétrica de Furnas, que formam belas paisagens com cânions, cachoeiras, e ainda opções de pesca, esportes aquáticos e ecoturismo. Moradores locais contam que o movimento externo começou há pouco mais de 20 anos. Por ainda estar na ponta da Serra da Canastra, muitas pessoas passaram a escolher o lugar para descansar e explorar trilhas e passeios pelo lago.
Nos últimos 10 anos, com a ampla divulgação nas redes sociais de visitantes, o lugar passou a ser cada vez mais visado, tornando- se um desejo de turistas de todo Brasil. A cidade já estava acostumada a viver lotada, principalmente no verão. Gente por todo lado, fotos e selfies, carros, filas para as atrações. Cenário que mudou completamente desde o acidente.
“O verão acabou aqui. Foi desastroso”, alerta o garçom de um restaurante na MG-050, no trecho que contorna o Lago de Furnas. Ele preferiu não se identificar para não correr o risco de sofrer retaliações na região. “Antes, tinha fila grande aqui. Neste horário (por volta das 14h), você não conseguiria mesa”, conta, lembrando que no dia do acidente muitos funcionários ficaram abalados, pois a maioria tem parentes que trabalham nas embarcações. “Meus colegas ficaram chorando. Todo mundo aqui tem familiar que trabalha no lago. O negócio foi tenso.”
Lago interditado
Assim que ocorreu o desastre, os passeios de lancha foram proibidos pela Polícia Civil e Marinha do Brasil. A permissão só retornou na quinta-feira (13/1), quando o dia foi dedicado à homenagem às vítimas. A atividade voltou, de verdade, na sexta-feira (14/1), com um movimento bem abaixo do esperado para o mês de janeiro. Inúmeras lanchas ficaram no cais e as poucas que saíram não puderam chegar aos cânions – atração que antes era imperdível. É que o local vai permanecer interditado enquanto ocorrem as investigações que buscam entender o que teria causado o desmoronamento da pedra.
“Se eu tivesse atrasado dois minutos eu estava debaixo da pedra”, pressupõe o marinheiro Ênio José Ferreira Júnior. Ele lembra que no momento do acidente, havia passado pelas rochas há pouco tempo em um passeio com turistas. “Eu estava fazendo a curva para sair da área dos cânions quando o rapaz do jet ski avisou que as pedras estavam caindo. Eu já não estava mais na área em que a pedra caiu, então não vi nem ouvi o que aconteceu, mas, de repente, as lanchas ‘vieram no pau’ e eu pensei que eles estavam fazendo gracinha ou estavam levando alguém de socorro mesmo. Quando cheguei aqui no cais, vi ambulância, o desespero das pessoas e fiquei sabendo que caiu a parede”, relembra.
O momento dramático vivido pelo barqueiro é tido com muita tristeza e, ao mesmo tempo, preocupação com o que vai ser do seu trabalho e de sua família, que tem o sustento garantido no negócio das lanchas. “Em dezembro e janeiro normalmente aqui tem bastante gente. Depois da tragédia de sábado, a gente ficou receoso. Muitos barcos nem vieram por causa do luto às vítimas”, conta, reforçando seu estado de alerta. “Tomara que dê tudo certo porque a cidade depende muito, o turismo influencia muito na economia da comunidade. Sabemos que vai impactar (a tragédia), mas também vamos ficar mais espertos daqui pra frente.”
Outro atrativo no lago é o passeio de chalana. O gerente da embarcação, Eduardo Macedo, diz que o barco começou a ser procurado para o lazer há 23 anos, antes mesmo das lanchas habitarem o lago. Com o aumento da procura ao longo dos anos, essa passou a ser sua principal fonte de renda, que agora é colocada em xeque com a pausa de turistas em Capitólio. “Tínhamos passeios agendados que já foram cancelados, mas acho que no decorrer do tempo vai ter meios de segurança no lago que podem até melhorar nossa atividade. Esses pontinhos que ninguém enxergava, se tiver condição de ter mais precaução, vai ser melhor pra todos nós”, afirma, otimista do futuro. “O turismo não vai acabar, vai melhorar. Se acaba, imagina quantas pessoas hoje dependem disso daqui?” indaga.
Boa parte da economia é baseada no turismo
Nos hotéis e pousadas, ninguém entra e ninguém sai. No Centro da cidade, a reportagem encontrou uma estadia completamente fechada. Segundo o proprietário, 70% das reservas foram canceladas e outras 30% tiveram a data de visita alterada. “Deve demorar um tempo agora para voltar o que era antes. O pessoal está com muito medo. E a gente sente mesmo, né?”, diz José Celestino Ferreira. Ele conta que antes da tragédia, seu hotel não tinha nenhuma vaga para janeiro. “Não ficou nenhuma reserva. E o mês vinha ótimo, estava lotado. A tragédia atrapalhou tudo, até porque daqui a pouco termina o período de férias e depois o frio”, lamenta.
“Não ficou nenhuma reserva. E o mês vinha ótimo, estava lotado”
Principal fonte de renda na cidade – direta ou indiretamente –, o turismo vai precisar se reinventar daqui pra frente. Segundo Lucas Arantes, secretário de Desenvolvimento Econômico Sustentável de Capitólio, mais de 350 empresas do município estão ligadas a passeio náutico e hospedagem. “É uma quantidade muito grande. E da mesma forma que temos essas empresas, temos outras que dependem diretamente dessas, como padaria, lavanderia e mercadinhos, que fazem atendimento aos hotéis e restaurantes”, comenta. “A gente não tem uma informação 100% matemática, mas cerca de 80% da economia aqui é prestação de serviço e, dentro disso, a grande parte é no entorno do turismo”, explica.
A agente de turismo Sandra Maia, é prova disso. “Muitas pessoas cancelaram passeios porque alguns estão traumatizados, abalados mesmo”, conta. Por enquanto o sentimento é normal, afinal, a tragédia também sensibilizou os colegas. “Estou tão chocada. Quando a gente soube o que tinha acontecido, nem acreditei no dia. Foi com amigos nossos que aconteceu a tragédia. Aquilo chocou a população de Capitólio e do Brasil inteiro. Nesse dia, todos os guias de turismo, familiares, amigos, entraram em contato preocupados”, lembra.
Embora o verão de janeiro tenha ido por água abaixo, os passeios para o carnaval, em fevereiro, continuam com procura. “Aqui todo mundo depende do turismo”, reforça a agente. “Tenho dó dos colegas de lancha… Vamos torcer para superar isso tudo. Se Deus quiser, Capitólio vai voltar a ser como era antes. Isso que aconteceu não foi provocado por nós. É coisa da natureza e que precisa ser investigada. Quanto tempo que a gente trabalha aqui com chuva e isso nunca aconteceu?”, destaca.
O Governo de Minas e a Prefeitura de Capitólio não responderam aos questionamentos da reportagem sobre como as autoridades vão fazer para interceder pela atividade turística no Lago de Furnas e oferecer algum tipo de suporte aos trabalhadores do setor.
*Fonte: Estado de Minas