Um casal que desistiu da adoção de duas meninas, após passar quatro anos com a guarda delas, deve indenizar as crianças de 9 e 10 anos por danos morais. A decisão judicial foi determinada atendendo a pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
Segundo a Ação Civil Pública (ACP) proposta pela Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes de Uberaba, as meninas são irmãs e foram incluídas na lista de adoção em 2017, devido a uma situação grave de risco a que estavam expostas.
Depois que o poder familiar foi suspenso e as crianças foram encaminhadas a uma família substituta, o casal, que estava inscrito no cadastro de adoção, manifestou interesse em conhecer as crianças e concordou com o início do estágio de convivência, em julho de 2018.
Depois de quatro meses, o casal manifestou nos autos da ação de adoção a intenção de receber as crianças sob sua guarda. O setor psicossocial do Juízo de Sacramento deu parecer positivo, e as técnicas judiciais orientaram o homem e a mulher a respeito do histórico de negligência e violência vivenciado pelas crianças.
Segundo as técnicas, isso poderia vir a refletir em seus comportamentos. Os dois também foram alertados sobre o caráter irrevogável e irreversível da adoção.
Mesmo assim, o casal se manteve firme no propósito de adotar as crianças, demonstrando consciência e disponibilidade para encarar os possíveis desafios que poderiam surgir com a guarda das meninas. As crianças, por sua vez, já demonstravam vínculo de afetividade e ansiedade para estar com os dois.
Assim, em novembro de 2018, as crianças, então com quatro e cinco anos, foram entregues à guarda do casal, que em 2021 se mudou para Uberaba.
Desistência e rejeição
Em junho deste ano, depois de quase quatro anos com as crianças sob sua guarda e com o processo já em fase de prolação de sentença, o casal desistiu do procedimento de adoção e manifestou o desejo de devolver as meninas. O argumento foi de que não foi possível a criação de vínculos entre as partes.
De acordo com o MPMG, um acompanhamento psicossocial do caso concluiu que o casal, apesar de ter declarado consciência a respeito das peculiaridades das crianças e das possíveis dificuldades que viriam a enfrentar com a guarda, na verdade não estava realmente preparado e disposto a acolhê-las integralmente, dispensando cuidado e afeto incondicionais.
Os estudos realizados apontaram que o homem e a mulher apresentam grande rejeição por uma das irmãs. A menina, devido ao estresse a que foi submetida, desenvolveu inúmeros transtornos emocionais.
Pedido de indenização
Na ACP, a promotora de Justiça Ana Catharina Machado Normanton considerou “irresponsável e desumana” a atitude do casal de receber as crianças sem o devido preparo e amadurecimento da decisão.
Para ela, os dois trataram as meninas “como um mero objeto de desejo e não como seres humanos, dependentes de atenção, afeto e amor e sujeitos a traumas e dores diante de situações de abandono e rejeição”.
Ao requerer a indenização por danos morais e materiais, ela argumentou que é “indubitável que este novo abandono causará prejuízos irreparáveis às crianças”.
“Os infantes advêm de um ambiente permeado por violência e negligência, já enfrentavam, antes de serem acolhidos pelo casal, sérios traumas decorrentes de sua história de vida e, ao serem desta vez novamente rejeitados e abandonados, foram fortemente abalados emocional e psicologicamente e contraíram traumas outros”, diz a ação.
Decisão judicial
O juiz Marcelo Geraldo Lemos, da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Uberaba, atendeu o pedido do MP e condenou o casal ao pagamento de indenização por danos morais no valor de 100 salários-mínimos para cada uma das meninas.
“O valor da indenização deverá reparar o sofrimento e os danos causados às crianças, destacando que a ação dos réus foi grave a ponto de ferir e prejudicar os infantes no âmbito social, moral e afetivo. No mais, a condenação à indenização deve ter, além de cunho reparatório, cunho pedagógico, com o fito de não permitir e retrair atitudes semelhantes”, escreveu o magistrado na decisão.
Para a promotora Ana Catharina Machado Normanton, responsável pela ACP, “foi uma grande vitória em relação à importância da responsabilidade da adoção, bem como a necessidade de responsabilizar judicialmente a postura negligente dos pais e de se evitar a revitimização e o reabandono de crianças e adolescentes que buscam por uma família”.
*Informações Portal BHAZ e MPMG.