Há um ano e dois meses, Luiz Felippe Teles Ribeiro colocou implantes no cérebro para compensar a perda total da audição. Recentemente, ele fez uma cirurgia abdominal por causa de uma bolsa de colostomia. Felippe não tem sensibilidade nos dedos e precisa de uma muleta para se locomover.
“Um momento de lazer, um churrasco com a família, sabe? Foi tomando uma cerveja com o meu sogro que essa tragédia chegou para nós”, desabafou.
O churrasco aconteceu no dia 22 de dezembro de 2019. Felippe tomou a cerveja Belorizontina, produzida pela cervejaria Backer, com o sogro, Paschoal Dermatini Filho, de 55 anos. Os dois foram internados pouco depois. Paschoal não resistiu e morreu há exatamente dois anos, no dia 7 de janeiro de 2020.
Paschoal Dermatini Filho é uma das pessoas que morreram após ingstão de dietilenoglicol — Foto: Luiz Felippe Teles Ribeiro/Arquivo pessoal
Um dia depois, a polícia abriu inquérito para investigar as causas das mortes de pessoas que haviam tomado a cerveja da Backer. Os laudos periciais comprovaram que houve envenenamento por dietilenoglicol, um solvente orgânico altamente tóxico que causa insuficiência renal e hepática e pode levar à morte em caso de ingestão.
De acordo com as investigações, sete pessoas morreram e outras 22 conseguiram sobreviver, com sequelas diversas. Já o Ministério Público apresentou denúncia com 26 vítimas em vez das 29 apontadas pelo inquérito policial.
Onze pessoas, inclusive os sócios-proprietários da cervejaria Backer, se tornaram réus “por crimes cometidos em função da contaminação de cervejas fabricadas e vendidas pela empresa ao consumidor”.
Os três sócios-proprietários da Backer foram denunciados pelas “condutas de vender, expor a venda, ter em depósito para vender, distribuir ou entregar a consumo produto que sabiam poderia estar adulterado”, que está no parágrafo 1º-A do artigo 272, do Código Penal, e por “deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado”, que está no artigo 64 do Código de Defesa do Consumidor.
Já sete engenheiros e técnicos encarregados da fabricação da bebida, segundo o Ministério Público, agiram com dolo eventual, ao fabricarem o produto sabendo que poderia estar adulterado. Eles foram denunciados por homicídio culposo e lesão corporal culposa, além do artigo 272, parágrafo 1-A, do Código Penal.
A denúncia foi recebida pela Justiça em outubro de 2020 e não há prazo para definição do juiz sobre o caso.
‘Tudo é muito lento’
“Eu só espero que a Justiça seja feita, que a gente receba pelo menos uma indenização, mas tudo é muito lento”, lamentou Luciano Guilherme.
O bancário ficou internado por 180 dias, 28 deles em coma, após ter bebido a cerveja da Backer. Ele saiu no dia 3 de junho de 2020, mas até hoje tem desafios diários por causa da contaminação.
“Eu perdi parte da visão, da audição, minha capacidade renal é de 28%, tive paralisia facial e ainda perdi 70 centímetros do meu intestino”, contou Luciano.
‘Planos? Sonhos? Isso tudo acabou’
Cristiano Gomes, que foi submetido a um transplante renal para sobreviver, não faz mais planos. Apesar da doação do rim feita pela mulher, ele ainda sofre para digerir proteínas e passa mal toda semana.
Assim como as outras vítimas, o professor universitário passa por uma rotina intensa de tratamentos de saúde. Ele tenta conciliá-la com o trabalho e também com a família.
“O meu grau de fadiga é violento. Perdi a sensibilidade dos pés. Eu tenho um problema crônico que foi causado por negligência. É revoltante”, disse Cristiano.
Sobre o futuro, o professor disse que é preciso ser realista.
“Planos? Sonhos? Isso tudo acabou. A média da funcionalidade do rim é de 7 a 10 anos. Quando eu me aposentar, provavelmente vou voltar para a hemodiálise. A minha realidade é essa”, disse Cristiano.
Segundo as vítimas, a Backer paga um auxílio para cobrir as despesas médicas.
*Fonte: g1 Minas