A edição do Fantástico (TV Globo) desse domingo (26) fez história ao falar por tantas mulheres que veem seus direitos sexuais e reprodutivos, além da intimidade e do direito ao luto, violentados sistematicamente no país.
O programa se dedicou a expôr a violência contra a menina de 11 anos – que passou por um aborto legal em Santa Catarina após uma longa luta na Justiça – e a sequência de violações sofridas pela atriz Klara Castanho, coagida a tornar público um trauma com sérios desdobramentos.
As reportagens foram apresentadas por Maju Coutinho e Poliana Abritta, conduzidas por Renata Capucci e Renata Ceribelli, e trouxeram, majoritariamente, mulheres, como especialistas entrevistadas.
No início da cobertura sobre os dois casos, o programa destacou que, na última semana, os Estados Unidos derrubaram o direito constitucional ao aborto, em vigor há quase 50 anos. A Suprema Corte americana revogou a histórica decisão Roe vs. Wade de 1973, numa guinada conservadora que o presidente Joe Biden classificou como um retrocesso.
Introduzindo os temas que ganharam repercussão aqui no Brasil, Maju Coutinho destacou que brasileiras só podem interromper a gravidez em situações específicas: uma delas é quando a gestação é resultado de estupro. Apesar disso, a exposição e os desdobramentos dos casos que se tornaram públicos nessa semana mostram que o caminho para garantir os direitos femininos ainda é longo.
‘Vítimas desrespeitadas, julgadas’
Nessa semana, causou indignação a notícia de que uma menina de 11 anos, vítima de estupro de vulnerável, foi pressionada por uma juíza a desistir do aborto a que tinha direito”. Poliana menciona que a menina só conseguiu interromper a gravidez na última quarta-feira (22), após o caso ganhar repercussão.
A jornalista Renata Capucci entrevistou a mãe da criança estuprada em Santa Catarina. Depois de tudo que passou ao lado da filha, ela narra que o sentimento é de alívio, mas não de felicidade. “Eu não vou falar para a senhora que eu tô feliz. Eu não tô feliz. A gente está passando por um processo bem complicado ainda”, lamenta.
A gravidez foi confirmada no início de maio, quando o feto já tinha 22 semanas. A mãe levou a menina ao Conselho Nacional de Tijucas, cidade a 50 km de Florianópolis, e as duas seguiram para o Hospital da Universidade Federal de Santa Catarina, referência em concluir abortos em caso de estupro. Na ocasião, a criança ainda tinha dez anos e passou por vários exames.
O hospital em questão segue as normas técnicas do Ministério da Saúde, que afirma que “sob o ponto de vista médico, não há sentido na realização de aborto com excludente de ilicitude em gestações que ultrapassem 21 semanas e 6 dias”. Mas o Código Penal brasileiro prevê o aborto caso a gravidez resulte de estupro, independentemente do prazo. Após a repercussão de uma reportagem do The Intercept, que denuncia a conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer pressionando a menina a não realizar o aborto, a família finalmente conseguiu fazer o procedimento.
Klara Castanho
A reportagem do Fantástico também abordou o caso mais recente, envolvendo a atriz Klara Castanho, de 21 anos, que revelou ter sido estuprada. O abuso resultou em uma gravidez e a jovem seguiu para um processo legal de doação do bebê, assistida pelo Ministério Público e pelo Judiciário. Em uma carta aberta, ela detalhou o ocorrido e desabafou sobre a forma como algo tão íntimo e difícil se tornou público sem o seu consentimento.
O programa desse domingo expôs os nomes que deram início aos boatos. Matheus Baldi, colunista de conteúdo sobre celebridade, teria chegado a publicar o assunto, citando o nome de Klara, mas apagou a postagem a pedido da atriz.
Leo Dias, que teria deixado de publicar as informações que recebeu de uma enfermeira do hospital onde Klara teve a criança, passou a comentar o caso, sem citar nomes, inclusive em programa de TV.
Já a youtuber Antônia Fontenelle gravou um vídeo, na semana passada, no qual expunha a história, sem citar nomes. No entanto, ela ameaçou dizendo ser melhor a atriz não procurá-la chorando, porque daí sim poderia revelar a identidade dela.
Toda a pressão levou Klara a tornar pública a história. “A atriz não queria expor esse episódio de sua vida, mas sites e redes de fofoca trouxeram não só a história a público, mas também especulações e ataques à atriz, disse a reportagem.
O Fantástico leu trechos do relato de Klara, pontuando que ela foi violada inúmeras vezes após descobrir a gestação. Em conversa com uma especialista, a reportagem destacou que a atriz buscou amparo legal para fazer a doação da criança, então agiu de acordo com todos os trâmites.
“Toda mulher, ainda que não seja vítima de estupro, queira não ficar com o bebê, ela tem esse direito. Inclusive, direito ao parto de maneira sigilosa”, explica a advogada criminalista Fayda Belo.
Edição histórica
Nas redes sociais, internautas exaltam a cobertura do Fantástico, destacando que a Globo “deu nome aos bois”, escancarou dados e expôs todos os envolvidos na violência contra Klara Castanho.
O público ainda elogia a condução da cobertura, majoritariamente feita por mulheres, o que daria voz a quem têm o lugar de fala.
*Informações Portal BHAZ.