Homem alegou que fez ‘justiça com as próprias mãos’. “Eu só não vou queimar sua testa porque você já é feio. Com a testa queimada vai ficar mais feio ainda”
Dois homens foram torturados e agredidos com pauladas nas mãos por um empresário em Salvador. O autor das agressões é dono de uma loja onde as vítimas trabalhavam. Um outro empresário, também responsável pelo estabelecimento, filmou as agressões e chamou os atos de violência de “corretivo”.
As imagens gravadas mostram o empresário, que alega ter identificado os funcionários roubando. Em um trecho ele diz: “Mais um ladrão aqui, mais um ladrão pessoal. Trabalhou para mim, a gente deu moral e confiança, e ele metendo a mão no dinheiro”.
Uma das vítimas foi identificada como William de Jesus, 21 anos, enquanto a outra só teve o prenome “Marcos” divulgado. Um deles teve um pano colocado na boca, e as mãos marcadas com ferro quente com o número “171”, em referência ao crime de estelionato estabelecido no Código Penal.
“Me agrediram dizendo que eu estava roubando, e gravaram para que eu confessasse. Ele esquentou um ferro de passar roupa e perguntou se eu queria na testa ou na mão”, relatou o rapaz.
‘Queria que eu confessasse, mas eu não roubei nada’, relata funcionário torturado. “No momento em que estava me batendo, eles estavam gravando e dizendo para que eu confessasse. Eu falei: ‘não vou confessar nada, porque eu não roubei nada'”.
“Ele falou: ‘eu só não vou queimar sua testa porque você já é feio. Com a testa queimada vai ficar mais feio ainda, então vou queimar na mão'”
Marcos Eduardo, que também foi agredido com pauladas nas mãos, contou que está traumatizado e que sofreu ameaças de morte.
“É traumatizante. Eu não durmo direito, me assusto de madrugada porque ele me ameaçou de morte. Falou que, se não tivesse gostado [da tortura], era para dar queixa”.
“Eu não tenho preciso disso [roubar]. Eu tenho um filho, pago aluguel, trabalho. Acordava às 5h da manhã todos os dias, para trabalhar para ele. Saia quase 20h da noite. Fechava a guia e ainda ficava. Se eu fosse roubar, eu não ia roubar só R$30”.
Mães Indignadas
As mães das duas vítimas estão indignadas com a tortura e também prestaram depoimento. À mãe de Willian, Claudete Batista, o agressor relatou que queria fazer “justiça”.
“Ele disse: ‘eu fiz isso porque seu filho estava roubando’. Mesmo se ele [filho] estivesse roubando, ele [Alexandre] tinha que ir à justiça, não torturar e fazer justiça com as próprias mãos”, apontou Claudete.
A mãe de Marcos, Vilma Serra, também trabalhava para Alexandre e relatou a mesma consternação com as agressões.
Para o filósofo Rosival Carvalho, a tortura deturpa a ideia de justiça.
“Nenhum de nós tem autoridade sobre o outro, de cometer tal delito – aquela ação foi uma ação delituosa. Aí é tortura e não podemos acertar aceitar a naturalização da barbárie, como algo que faz parte de um processo de sociedade”.mbém trabalhava para ele. Quando eu cheguei, ele [filho] estava sentado. Ele [Alexandre] suspendeu a porta e começou a falar que ele [filho] tinha roubado, aí eu fiquei sem reação”.
O caso foi denunciado à Polícia Civil nesta sexta-feira (26), mas, de acordo com a defesa das vítimas, ocorreu no dia 19 de agosto. Willian disse que, no dia da agressão, chegou para trabalhar e foi pego em uma “emboscada” montada pelos patrões.
O delegado William Achan, responsável pelo caso, disse que um dos donos da loja prestou depoimento e admitiu ter feito “justiça com as próprias mãos”. O outro empresário ainda será ouvido e o caso continua sob investigação.
“Ele disse que ficou bastante chateado pela subtração, segundo ele, de um valor de R$30. Só que a vítima alega que, enquanto estava fazendo a limpeza achou esse dinheiro, e que seria entregue a ele [Alexandre], mas ele não aceitou os argumentos dos funcionários. E então, de modo imprudente, acabou tentando fazer a lei com as próprias mãos”.
O g1 entrou em contato com o Ministério Público do Trabalho, para saber as providências que serão adotadas, e aguarda um posicionamento do órgão. Os donos da loja também foram procurados pela reportagem, que não conseguiu contato por telefone.
*informações g1