Especialistas ouvidos pelo Metrópoles avaliam que as práticas do governo atual são um obstáculo para que o país zere o desmatamento até 2028
Do portal Metrópoles – O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, reafirmou durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 (COP26) o compromisso do Brasil em eliminar o desmatamento até 2028. Especialistas, no entanto, avaliam que a meta é quase impossível de ser cumprida.
Segundo Leite, o Brasil seguirá outros países e trabalhará para zerar o desmatamento e reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 50% e do metano, em 30%, até 2030. O problema é que as estatísticas atuais pesam contra as promessas de redução feitas por Leite e pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), que comanda o Conselho Nacional da Amazônia Legal.
Dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite-Prodes, por exemplo, mostraram que o desmatamento na Amazônia, nos 12 meses entre agosto de 2020 e julho de 2021, foi o maior para esse intervalo de tempo desde 2006. Com um total de 13,235 mil km² árvores perdidas no período.
Já o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, apontou que o Brasil teve aumento de 9,5% nas emissões de gases poluentes em 2020, em plena pandemia de Covid-19. O resultado foi na contramão do mundo, que, globalmente, viu as emissões caírem quase 7% no ano passado.
Questionado como fará para cumprir a meta da COP26, o chefe do Meio Ambiente disse acreditar que, mesmo com os números alarmantes, o Brasil caminha para uma redução gradativa.
“Devemos eliminar o desmatamento até 2028, a redução seria de aproximadamente 15% nos primeiros anos. Os números agora, de agosto, setembro, outubro e novembro, mostram uma redução de 12%, e isso significa que estamos na direção correta em relação aos números para que a gente consiga atingir o objetivo, que é eliminar o desmatamento ilegal até 2028”, defende Joaquim Leite.
A redução citada por Leite, contudo, diz respeito ao mês de novembro, que foi 19,45% menor do que o registrado no mesmo mês de 2020. No ano, o desmatamento já acumula 8.142 km². Ainda é preciso contabilizar os dados de dezembro, mas este já é o terceiro maior acumulado anual, só perdendo para 2019 e 2020.
O que dizem os especialistas
O especialista em meio ambiente Charles Dayler classificou as promessas como “bravatas”, “demagogias” e “conversas para boi dormir”, pois, segundo ele, o padrão de gestão ambiental do atual governo segue outros rumos.
“Mantido o atual padrão de gestão: desconstrução normativa, desinvestimento nos órgãos ambientais, omissão com relação aos desmatadores e até, as vezes, incentivo [ao desmatamento], essa afirmação é bravata, demagogia e conversa pra boi dormir. Impossível de ser cumprida”, argumenta Dayler.
“Considerar que até 2028 é possível zerar o desmatamento, seguindo o que a gente tem hoje de gestão ambiental por parte do governo federal, é impossível!”, declara o especialista.
Para Marcio Astrini, que é secretário-executivo do Observatório do Clima, as metas que o governo assumiu são “nebulosas”, mas são possíveis em apenas um cenário: “A condição básica para a gente desempenhar esse potencial do país é que este governo não esteja mais administrando o país”, pontua.
“Não existe uma estratégia de implementação de como eles vão conseguir isso e qual [será] orçamento. Não existe nada, simplesmente um discurso evasivo, mas só um discurso. Sequer temos isso em um registro oficial, muito menos como se vai atingir esse prometido”, salienta Astrini.
Já a doutora e professora do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília Ana Karine Pereira acha improvável o Brasil conseguir alcançar a meta caso continue aplicando as mesmas ações de controle e combate do desmatamento.
“O que está tendo é um desmantelamento das políticas públicas e da capacidade do estado de dar respostas ao desmatamento ilegal”, afirma Ana Karine.
Outro argumento que os especialistas citam para sustentar a provável incapacidade do Brasil em cumprir as metas ambientais é a insistência em nomear pessoas que fogem ao perfil técnico exigido para que políticas públicas nesse sentido sejam implementadas.
“As nomeações para os cargos de livre provimento, relacionados aos dirigentes públicos desses órgãos ambientais, têm tido um padrão bastante politizado e não pautado em técnica e competência. Isso influencia a capacidade do estado em dar respostas, formular políticas e mobilizar recursos para responder a um fenômeno tão complexo, como é o desmatamento”, detalha a professora.
Como chegar lá?
De acordo com Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), o caminho para atingir as metas prometidas é a reestruturação dos órgão ambientais.
Bocuhy acredita que o Brasil perdeu a capacidade de multar e executar penalidades voltadas para os crimes ambientais, bem como a sinergia para atuar junto à Polícia Federal no combate a ilícitos.
“Enquanto isso não for revertido e o governo não sinalizar seriamente que não vai admitir a continuidade da criminalidade, sinalizar que internamente vai equipar todo o sistema para conter o desmatamento, não teremos nenhuma possibilidade de reversão do quadro. Isso se faz com aparato de governo e política pública. O Brasil não está caminhando nesse sentido”, opina o especialista.