O governador Romeu Zema (Novo) pode responder por improbidade administrativa e, também, corre o sério risco de ser alvo de ações de impugnação de sua candidatura por desobediência à legislação eleitoral. A causa seria inteiramente o edital do Rodoanel Metropolitano. Isso porque o Estado está comprometendo, através de cláusulas específicas, recursos públicos que podem chegar, sem previsão orçamentária, a R$ 5 bilhões, o que seria ilegal perante a Lei de Responsabilidade Fiscal, já que não prevê a fonte de receita, que impede o comprometimento de receitas públicas nos oito meses anteriores ao fim do mandato e, por consequência, vai de encontro com o regramento eleitoral regido pela lei 9.504, de 1997.
O montante que o Estado estaria se comprometendo deve ser destinado à compensação de eventuais prejuízos da concessionária que irá explorar os serviços de pedágios durante 30 anos. Para se ter uma ideia, o valor que Minas poderá arcar com a empresa vencedora da licitação é quase o dobro do que o poder público estadual está destinando à construção da futura rodovia (R$ 3 bilhões, obtidos através de acordo de reparação feito pela Vale em decorrência da tragédia de Brumadinho).
De acordo com juristas e especialistas consultados pela reportagem, as condutas consideradas irregulares, ou seja, contrair dívidas no fim do mandato e comprometer recursos sem previsão, caso sejam comprovadas, podem causar ainda a responsabilização em esfera penal, conforme o artigo 359.C do Código Penal Brasileiro.
A reportagem apurou que alguns partidos e outras instituições já se mobilizam para ingressar com ação na Justiça Eleitoral, assim que o registro de Zema for feito, pedindo a impugnação da candidatura do governador, sob alegação de suposto abuso de poder político.
O leilão do Rodoanel, apesar de ter isso contestado por municípios da Grande BH e de outras entidades da sociedade civil mineira, está marcado para o próximo dia 12 de agosto e deve acontecer na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), a menos de cinco meses do fim do mandato de Zema. A empresa vencedora terá que investir R$ 2 bilhões na obra e vai explorar a rodovia por 30 anos, tentando recuperar o investimento através da cobrança de pedágios. Caso isso não ocorra, a concessionária terá à disposição uma garantia do Estado, prevista em edital, dos R$ 5 bilhões já citados. Portanto, o erário público poderá desembolsar, na verdade, cerca de R$ 8 bilhões, somando os valores gastos na obra e da garantia dada à licitada.
“O comprometimento de despesas sem previsão orçamentária fere a Lei de Responsabilidade Fiscal e pode configurar crime de responsabilidade, pois é uma ilegalidade comprometer despesas sem saber de onde virão os recursos, comprometendo a verba pública no futuro. A legislação é muito clara ao estabelecer que não se pode deixar restos a pagar. Inclusive, o governador está sendo alertado, pois esse é um fato público e notório e vem sendo noticiado amplamente pela mídia”, explicou o advogado Joab Ribeiro Costa, especialista em direito público e penal.
Mesmo entendimento tem Letícia Lacerda de Castro, jurista e doutoranda em direito. A especialista afirma que não é proibido realizar licitações em ano eleitoral, desde que haja provisionamento de recursos. “A máquina pública não pode parar”, disse. Porém, ressalta: “No caso do edital de licitação da obra do Rodoanel, há cláusulas que configurariam crime de responsabilidade por violação à LRF”.
“É um edital altamente desnecessário no último quadrimestre do mandato. Há cláusulas que comprometem um passivo expressivo de valores ao Estado de Minas Gerais, violando o artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Embora essa lei não proíba licitações em ano eleitoral, não é legítimo uma licitação que desrespeite a legislação. Entendo que essa violação se trata de uma conduta vedada em ano eleitoral”, enfatizou.
Ainda segundo Letícia, a conduta do governador pode, inclusive, ser alvo de questionamentos por desrespeito à legislação eleitoral. “O artigo 73 da lei 9.057/1997, a Lei Geral das Eleições, estabelece as condutas que são vedadas aos gestores públicos. Há suspeita de violação de oportunidades iguais de natureza eleitoral entre os candidatos, já que o governo está fazendo uma licitação em violação à lei, no último quadrimestre do mandato, assumindo vultosas despesas sem apontar dotação específica”, explica.
Campanha eleitoral
Para a jurista ouvida por O TEMPO, é possível dizer que a prática em questão coloca o governador Romeu Zema na mira da Justiça. “Tudo isso pode configurar abuso de poder político por parte do governador, o que pode torná-lo alvo de uma ação de investigação judicial eleitoral (AIJE). Essa investigação pode levar à cassação do mandato ou do registro da candidatura. As cláusulas do edital são um vetor forte da quebra da isonomia no pleito eleitoral, que deve ser discutida e investigada. A lei eleitoral existe para evitar que o gestor público gaste de maneira desenfreada no último ano de mandato com o objetivo de obter vantagem sobre seus adversários”, explicou Letícia Lacerda de Castro.
Se comprovadas as supostas condutas irregulares, apontadas pela jurista, o governador também poderia ser enquadrado no artigo 359-C, do Código Penal. Este artigo discorre o seguinte: “o gestor público que promover, ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, no último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro, ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte e não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa”, a pena prevista é de um a quatro anos de reclusão.
A reportagem de O TEMPO entrou em contato com a assessoria do Governo de Minas e com representantes da Seinfra, através de e-mails e de telefonemas, das 13h55 às 16h30 desta sexta-feira, 5 de agosto, e ainda aguarda uma resposta. A matéria está em atualização.
*Fonte: O Tempo