Sucesso como José Leôncio na novela, o ator será homenageado no Festival de Gramado
Marcos Palmeira não é nenhum estranho para o Festival de Gramado. Ele já venceu Kikitos pela atuação nos filmes “Dedé Mamata”, de 1988, e “Barrela: Escola de Crimes”, de 1990. É como um velho amigo que ele retorna, agora, ao evento gaúcho, para ser homenageado nesta 50ª edição.
O ator recebeu, na noite de ontem (13), o troféu Oscarito, concedido desde 1990 aos mais importantes nomes do cinema nacional, em especial atores, pelo conjunto de sua obra. Muita coisa mudou de “Dedé Mamata” para hoje, a começar pela multidão ensandecida que o cercava no lobby de um hotel, horas antes da cerimônia.
Celulares enquadravam Palmeira furiosamente enquanto ele concedia esta entrevista, com fãs e curiosos pedindo fotos. Num canto, uma mãe mostrava a tela de seu aparelho a um menino, pequeno demais para acompanhar “Pantanal”. “Olha, filho, você e o Zé Leôncio”, dizia, por baixo dos grossos casacos que cobrem os turistas da cidadezinha gaúcha.
Não foi assim em 1988, relembra o ator – ao menos não de cara. Naquele ano ele estrelou três filmes da seleção gramadense e chegou ao festival quase anônimo, até que “Dedé Mamata” tomou a cinefilia local de assalto e o transformou numa das sensações daquele ano.
“As grandes viradas que eu tive na minha vida de ator, como o ‘Dedé Mamata’, foram graças ao Festival de Gramado, então eu me sinto muito honrado de ser homenageado”, diz ele. “É quase uma coisa terapêutica, porque isso significa que muita coisa aconteceu há muito tempo, então eu tomei isso como uma oportunidade para refletir, para entrar em contato comigo mesmo.”
Apesar de a maior parte do público o reconhecer pelas novelas que estrelou, Palmeira sempre teve uma ligação íntima com o cinema. O primeiro crédito foi em “O Grande Palhaço”, de 1980, início de uma década em que ele ajudou a levar duas dezenas de filmes às telas. Foi aí que os folhetins entraram em sua vida -sem jamais deixar o cinema em segundo plano.
“O cinema brasileiro cresceu muito. Nós estamos batendo na porta desse governo que está aí, fazendo a água vazar. Em breve esse dique vai estourar e a água vai fazer florescer muita coisa. Porque o cinema é isso, ele transcende quem está diretamente envolvido com ele. Fora que ninguém vive sem cinema, sem cultura”, diz. “A gente não tem hoje uma política cultural, nós vivemos a criminalização da cultura.”
O marco de 50 anos que o Festival de Gramado alcança agora é símbolo de resistência, acredita o ator, que cita, além do governo atual, também o de Fernando Collor como um dos grandes desafios do audiovisual no país. Ele relembra que, em 1995, participou da retomada do setor com “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil”.
Neste ano, a programação gramadense tem curadoria assinada por Dira Paes, amiga de Palmeira de longa data e, claro, seu par em “Pantanal”. Eles saíram para jantar após a cerimônia de abertura do festival, antes que a novela da Globo convocasse o ator para o set de filmagem novamente -o que acontece já neste domingo, frustrando suas expectativas de ver toda a seleção.
Mas ele diz que adora passar tempo na fazenda, como chama o lar de Zé Leôncio no folhetim. A repercussão de “Pantanal”, aliás, o surpreendeu -ele sabia que a trama causaria impacto, mas não nesse nível.
“Estamos em 2022 e quando dá nove e meia da noite as pessoas têm o prazer de se reunir na frente de uma televisão. A mãe e o pai esperam a filha, que passa o dia inteiro cagando para eles, para a família ter essa experiência em conjunto. Quem diria que isso iria acontecer de novo”, afirma.
Isso se deve, em sua análise, à capacidade que os personagens de “Pantanal” têm de se relacionar com o brasileiro. Eles enfrentam dilemas pertinentes a todos, são pessoas em desconstrução -como quando o assunto é machismo, racismo, homofobia ou desarmamento, todos abordados na versão atualizada do folhetim.
Zé Leôncio talvez seja o melhor exemplo disso, com seu jeito “bruto, mas com sua sensibilidade”. Mais do que isso, ele é um personagem que entende o agronegócio pelo olhar da natureza, que está disposto a preservar sem se preocupar com a conta final de seus negócios.
“O mundo tem que repensar sua relação com o meio ambiente. Como pode nós vermos desperdício de alimentos num país em que as pessoas estão passando fome? Isso é surreal. Antigamente havia o discurso de que precisava de agrotóxico, de transgênicos. Não, não precisa. Precisa para eles, esse pequeno grupo de empresários que se formou para ganhar muito dinheiro”, diz o ator, que já quis ser indigenista e hoje também é produtor de alimentos orgânicos.
A percepção dele hoje, durante as gravações da novela, é de estar diante do que sobrou, não mais de um puro deslumbre. “Os animais estão estressados, é jacaré comendo jacaré”, diz. E, para resumir os personagens de “Pantanal” e sugerir como lidar com o problema, cita Che Guevara.
“Hay que endurecerse pero sin perder la ternura” – é preciso endurecer, mas sem perder a ternura. Essa é a síntese de Zé Leôncio, acredita.
*informações Folhapress