Produções latinas dos anos 1990 tem sido destaque em plataformas de streaming como o Globoplay e, também, na TV por assinatura
O milênio ainda não tinha mudado quando “A Usurpadora” fez sua estreia no Brasil, em 1999. A novela, protagonizada por Gabriela Spanic e pelo galã Fernando Colunga, havia sido lançada no México no ano anterior, e se juntava à grade do SBT – emissora que ficou famosa por abrigar produções do país na TV Aberta. De lá para cá, muita coisa mudou – inclusive a “casa” dos Bracho. Agora, a trama é uma das nove novelas mexicanas a fazerem parte do catálogo do Globoplay, plataforma de streaming da Globo.
O que não mudou foi o sucesso alcançado pela história de Paulina Martínez e Paola Bracho. Tanto que mesmo depois de ter sido reprisada seis vezes pelo SBT (nos anos 2000, 2005, 2007, 2015 e 2016) a produção chegou a desbancar várias produções no streaming. No final do ano passado, quando chegou ao Globoplay, “A Usurpadora” ocupou o Top 10 das produções mais assistidas da plataforma por sete dias consecutivos. O mesmo aconteceu com outro sucesso mexicano dos anos 1990, a novela “Marimar”, estrelada por Thalia.
Na televisão, o sucesso de “A Usurpadora” não tem sido diferente. Sendo reprisada pela sétima vez, agora no canal por assinatura Viva, a produção chegou a ocupar os trending topics do Twitter no dia 27 de junho, quando teve o primeiro capítulo exibido.
Mas afinal, por que mesmo depois de tanto tempo essas tramas continuam conquistando o público?
Um dos motivos, segundo o pesquisador de telenovelas Reynaldo Maximiano, é pelo próprio entretenimento gerado por essas novelas. “Não são produções feitas necessariamente para se discutirem determinadas questões ou problemas, são para a diversão”, explica.
Vale ressaltar que a grande maioria dessas produções tem como foco principal uma história de amor entre os protagonistas. Além disso, possuem poucos núcleos de personagens e todos eles são bem definidos e possuem o momento certo de aparecer. “Os gêneros que prevalecem são o drama e a comédia romântica”, destaca. Maximiano, que também é professor de comunicação da Universidade do Estado de Minas Gerais, pontua ainda que a grande maioria das tramas partem de adaptações de enredos de histórias já conhecidas como “Cinderela”, que coloca em cena o amor entre uma mulher pobre e um homem rico, e “Romeu e Julieta”, que trata do amor proibido.
O forte caráter romântico dessas novelas é, inclusive, uma das características que chama a atenção do jornalista Gleidson Alvarenga, de 36 anos. Fã de produções do gênero, ele diz que gosta de acompanhar essas histórias de amor e sofrimento exibidas nos folhetins mexicanos. “Elas são romances clássicos, aqueles que a pessoa sofre até o final e se vinga. Isso é legal”, afirma.
Espectador assíduo desse tipo de produção, ele conta que já assistiu “A Usurpadora” oito vezes. As novelas estreladas por Thalia, que fizeram sucesso no Brasil nos anos 1990, também já foram vistas novamente por ele, que terminou recentemente de assistir “Maria do Bairro” e “Marimar”.
Caras e Bocas
A forma mais teatralizada de atuação é outro ponto que pode chamar atenção nessas novelas. “São muitas caras e bocas. As vilãs, por exemplo, não precisam ser apenas más, elas têm que parecer más”, pontua. Ele destaca, inclusive, que esse próprio formato acaba fazendo com que as novelas ganhem a internet através dos memes. Risadas, expressões e frases maldosas da vilã Paola Bracho, por exemplo, continuam sendo utilizadas aos montes até hoje nas redes sociais.
Os memes, inclusive, são outro fator que pode contribuir para o sucesso dessas produções – principalmente para a renovação do público. “As pessoas podem querer assistir a novela que gerou o meme da Paola dando risada, o meme dela dizendo que os mortos não falam e, agora, com o streaming elas estão ali disponíveis para serem consumidas”, observa.
A duração mais curta dos capítulos também contribui para que essas produções conquistem o público, principalmente se levarmos em consideração a própria forma de consumo de entretenimento atual. “As novelas possuem menos capítulos e eles não chegam a 40 minutos, então acabam funcionando na lógica do consumo por maratonas, em que muitos episódios são vistos no mesmo dia”.
Fãs fiéis
Não podemos esquecer, ainda, que essas produções já tem um público cativo e eles também continuam acompanhando as novelas – onde quer que elas estejam passando. “Algumas dessas novelas conseguiram, quando foram exibidas no SBT, alcançar uma audiência diferente das novelas da Globo. Elas conquistaram uma legião de fãs”, observa Maximiano.
Esse é o caso de Maíla Ambrósio, de 26 anos. Mestranda em educação, ela conta que assiste novelas desde a infância, junto da mãe. “Desde criança sempre acompanhei, tanto que hoje sou grande fã de novelas”, diz ela, citando “A Usurpadora” como sua favorita. “São produções que foram parte importante da nossa história”, pontua.
Essa relação com a história também corrobora com o retorno exitoso dessas produções. “A chegada dessas novelas ao streaming é uma aposta na nostalgia. Já que são novelas antigas, que a gente assistiu. Além disso, elas experimentam também o boom do consumo de audiovisual durante a pandemia”, afirma o pesquisador.
Quem também credita a nostalgia para o sucesso dessas produções é a jornalista e professora de comunicação da Uni BH, Carol Braga. “Essas novelas caem como uma luva no streaming, porque foram lançadas nos anos 1990. Você vai nessa onda nostálgica da vida”, explica.
Além disso, ela vê esse tipo de produção como algo que pode ser chamado de “conteúdo de conforto”. “Elas têm um padrão de produção que fica até engraçado. As pessoas veem como um divertimento, como aquele momento de descompressão sem grandes exigências intelectuais. É algo para se divertir, para lembrar de uma época passada da vida”, diz.
*Fonte: O Tempo