O adolescente apreendido pela Polícia Militar (PM), após ameaçar ir à porta de uma Escola Municipal de Vespasiano, na região metropolitana de Belo Horizonte, com uma arma de fogo, na manhã desta sexta-feira (8), suscitou o debate com relação à posse e ao porte de armas no país. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, desde a criação do Estatuto do Desarmamento, em 2003, houve um aumento de 1790% em relação ao registro de armas em Minas Gerais.
Minas Gerais é o segundo Estado brasileiro com o maior número de registros deste tipo em 2022, totalizando 5.615 novos certificados. Minas Gerais está atrás somente de São Paulo, que contabiliza 15.166 registros. Ainda segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, neste ano, 56.031 novos certificados de registro de armas de fogo foram feitos em todo o país junto ao Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército Brasileiro.
Para o especialista em segurança pública, Robson Sávio Reis, as políticas que permitem o acesso às armas de fogo seguem um caminho contrário ao do Estatuto do Desarmamento. Apesar de ainda permanecer em vigor, parte das regras foi afetada por medidas do Governo Federal que, nos últimos anos, facilitou o acesso dos brasileiros às armas. “Na prática, estamos fazendo o inverso na relação entre Estado e sociedade. O Estado que deveria manter a segurança, está transferindo esse ‘dever’ para a sociedade”
Reis, que em 2015 participou junto ao Ministério da Justiça de um estudo sobre o Estatuto do Desarmamento, relata que o armamento da população aumenta também a insegurança. O especialista aponta que o Estado é falho no controle das instituições com autorização legal para o armamento e que não possui políticas para o controle das armas com a população. “Hoje, no Brasil, não se tem um controle. Estima-se que 20 milhões de armas já estejam em posse da população. É mais armas do que tem o próprio estado”, alerta.
Insegurança no lar
O acesso a arma de fogo revela um outro problema: os riscos no ambiente doméstico. Ao contrário do que sugere, a flexibilização da permissão às armas tende a aumentar a violência e a insegurança. Segundo o especialista em segurança Robson Reis, conflitos cotidianos, como uma briga que poderia ficar em um bate-boca, pode terminar com um homicídio caso algum dos envolvidos tenha uma arma. “O cidadão que usa arma não está preparado tecnicamente e psicologicamente. […] Numa situação de estresse e depressão, pode-se fazer coisas terríveis”, afirma Reis.
Para o especialista, manter uma arma dentro de casa é admitir o risco para terceiros. O instrumento pode ser ainda mais perigoso caso esteja com crianças e adolescentes. Além disso, ela pode “cair em mãos” de infratores e ser utilizada por outros em uma situação de conflito. “A sociedade precisa de políticas públicas de segurança. Pensar na segurança privada com arma é contraditório”, concluiu.
Adolescentes e crianças em risco
“É claro que um adolescente, que está em situação específica de desenvolvimento, tem muito menos capacidade e discernimento para a sua ação”, alerta Robson Sávio quanto aos perigos de uma arma de fogo em uso por crianças e adolescentes. O especialista em segurança aponta que este é um fator de risco para quem está com a arma e próximo à pessoa.
Para o especialista, situações como a ocorrida em Vespasiano têm como principais causas a falta de referência familiar e a omissão do papel do Estado. No entanto, este não é um caso isolado. Para ele, a motivação é quase sempre a mesma em casos de tentativas de ataques e ameaças em escolas, ou até mesmo em massacres, como aos que ocorrem, principalmente, nos Estados Unidos. “Um adolescente armado em uma escola, por exemplo, vai se sentir muito poderoso com aquela arma. As pessoas precisam pensar em políticas públicas. Não é um bang-bang que trará segurança”, concluiu.
O caso
Um adolescente foi conduzido após publicar um vídeo em uma rede social ameaçando estudante da Escola Municipal Maria Aparecida Barros Santos, em Vespasiano, na região metropolitana de Belo Horizonte. Com ele, a Polícia Militar apreendeu uma garrucha calibre 22. “O menor informou que a arma era do irmão dele, que foi vítima de homicídio há uns meses, e que estaria sendo ameaçado por algumas pessoas, por isso resolveu fazer o vídeo”, disse.
O menor mora com o pai e um outro irmão maior de idade, que acompanhou o caso. A polícia não soube informar se a família tinha autorização para o posse de arma. “A arma estava em cima da cama dele”, contou o Sargento Márcio Campos, da 247 Cia Tático Móvel, do 36° Batalhão da Polícia Militar. A arma e o adolescente foram encaminhados ao 3° Departamento da Polícia Civil Regional de Vespasiano, onde foram colhidos depoimentos para os procedimentos da polícia judiciária.
Antes de ser conduzido, o adolescente publicou um vídeo em uma rede social ameaçando os demais estudantes da unidade de ensino. “Amanhã eu tô descendo lá na porta do Maria Aparecida, quero ver você olhar na minha cara”, disse o menor. Com um projétil em mãos, ele ameaçou que teria “um presentinho pra eles”.
Segundo a diretora da escola, ele é um ex-aluno e não foi visto no local. “Assim que recebemos o vídeo, passamos a informação para o Capitão Carlos Alves pedindo patrulhamento no horário de entrada e horário da saída. Como a polícia já sabia o endereço dele, foram até a casa dele, e, segundo informação do capitão Carlos Alves, já apreenderam esse rapaz”, explicou.
Segundo a diretora, o aluno não estuda no local, já que a escola só tem até o nono ano do Ensino Fundamental. Pais de alunos ligaram ao longo da manhã desta sexta-feira (8) em busca de informações. De acordo com a escola, aqueles que optarem por não enviarem os filhos à aula, as atividades dadas serão repetidas. A Prefeitura de Vespasiano informou que acompanha o caso e que, junto à escola, acionou os militares.
*Fonte: O Tempo