Importante ponto de apoio na criação dos filhos, vovôs e vovós são muito mais do que bajuladores
Fez sucesso nas redes sociais a maquiagem que Victor Colombelli, 24, fez na bisavó dele, a dona Idalina Maria Antônia Colombelli, que se preparava para a celebração de seus 100 anos. A produção, filmada e compartilhada pelo maquiador que atua em Foz do Iguaçu, no Paraná, já alcançou uma audiência superior a 12 milhões de visualizações só no perfil dele no Instagram. Na rede social, entre os mais de 26 mil comentários, muita gente se derreteu pelo gesto de carinho entre bisneto e bisavó – incluindo Adriana Colombelli, mãe de Victor. “Ela estava lindíssima, parecia a rainha da Inglaterra! Gratidão, filho, por todo o carinho com sua vó bisa”, escreveu.
E mais do que um simples presente de aniversário, a atitude do rapaz pode ser lida também como um ato de cuidado. Ocorre que dona Idalina havia voltado para casa recentemente após ter sido internada para cuidar de uma pneumonia, motivo pelo qual andava meio abatida. Também uma razão de perturbação, ela ainda vivenciava o luto pela perda de três de seus filhos, incluindo Inácio, avô de Victor, vítima da Covid-19.
Percebendo o desânimo da bisa, o maquiador tratou de, como ele mesmo descreve, dar um “up” no humor dela, oferecendo-lhe o que chamou de “um dia de princesa”. Funcionou! Conforme relato do bisneto, depois de feita a maquiagem, dona Idalina ficou superanimada para a própria festa de aniversário. E que festa: o evento reuniu cerca de 200 convidados, entre amigos e familiares, todos unidos pelo amor e pela admiração por aquela mulher.
O comportamento de Victor é visto como um bom exemplo pela geriatra Claudia Caciquinho. Lembrando que, apesar da fama de bajuladores, os avós geralmente figuram como importante ponto de apoio para a criação dos netos, sobretudo na infância, ela recomenda que, ao se tornarem jovens e adultos, os netos devolvam esse gesto de cuidado apoiando seus avós, que já estarão com idade mais avançada. Esse suporte – somado à atenção que os filhos dedicam aos pais na velhice, no caso de famílias em que há relações funcionais – confere melhor qualidade de vida para a pessoa idosa.
“Incentivar que exista esse tipo de troca é algo positivo por diversos fatores. Para começar, é uma forma de os pais ensinarem seus filhos sobre a importância de oferecer suporte ao outro, algo que vai repercutir em diversas esferas da vida”, pontua. A membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia de Minas Gerais (SBGG-MG) e professora da disciplina de saúde do idoso da Faculdade de Ciências Médicas cita que quem foi orientado para o cuidado tende a exercer melhor funções parentais. “Além disso, essas pessoas, após a experiência de proximidade e de apoio com os avós, estarão mais prontas para cuidar de seus próprios pais quando eles estiverem mais velhos”, sinaliza.
Claudia ainda lembra que a simples demonstração de afeto e de atenção tendem a reverberar de maneira positiva, favorecendo o bem-estar dos idosos. “Convenhamos, sentir-se amparado pelas pessoas que amamos é bom demais. E isso vai ser ainda mais especial nessa fase da vida em que vamos acumulando perdas de amigos e familiares e quando sofremos com estigmas diversos, provenientes de preconceitos sociais direcionados contra esse grupo etário”, analisa, situando serem muito comuns na terceira idade queixas sobre uma sensação de “menos valia” e baixa autoestima. “Quando um sujeito nessa condição observa que está sendo verdadeiramente valorizado, isso vai ser muito positivo”, crava.
“A dedicação dos netos em relação aos avós vai ser especialmente potente por fortalecer no idoso a ideia de que está deixando no mundo um bom legado”, complementa a geriatra. “Ao receber essa atenção, o idoso vai pensar que esse rapaz ou essa moça, que é tão atencioso ou atenciosa com ele, é uma pessoa legal, é uma pessoa boa. Então, ele vai pensar que isso acontece graças à educação que ele próprio ajudou a dar. Com isso, fica em evidência para essa pessoa a ideia de que ela teve uma vida que valeu a pena, de que ela deixou uma contribuição para o mundo a partir dos bons frutos que gerou”, explica.
Afeto é a chave
Embora defenda a importância de que os netos, ao se tornarem adultos, assumam papel que contribua com os cuidados em relação aos seus avós, Claudia Caciquinho adverte que os laços familiares não são suficientes para garantir que essa dinâmica aconteça.
“Precisamos nos lembrar que esse tipo de troca precisa ser autêntico e, para isso, depende de toda uma construção”, observa. “E, neste quesito, é importante lembrar que, quando feito só por obrigação, esse apoio pode, na verdade, se tornar um problema, sendo um fator que predispõe a ocorrência de maus-tratos – que, na grande maioria das vezes, é promovido por familiares e cuidadores”, salienta. “Então, para que essa troca aconteça da melhor forma, é crucial o investimento na criação de vínculos afetivos entre netos e avós”, determina.
A psicóloga Gabriella Cirilo concorda. “Se estamos falando de relações familiares saudáveis e funcionais, sem dúvida é importante que os avós se façam presentes na vida de seus netos desde a infância. Assim, eles podem auxiliar no desenvolvimento da criança, que passa a conviver com novas referências, além dos pais, aprendendo com a sabedoria que um idoso pode transmitir”, opina a mestre pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Aliás, desde esse primeiro momento, quando os avós atuam como aqueles que cuidam, e não como aqueles que recebem assistência, é possível uma interação de ganho mútuo, dado que o idoso também pode aprender e experimentar novas vivências junto dos seus netos”, avalia.
No mesmo sentido, Claudia lembra que, desde que não seja maçante, essa convivência favorece a saúde do idoso. “É um tipo de dinâmica que vai promover uma série de estímulos, tanto afetivos quanto mentais e físicos”, diz. Sobre isso, um estudo feito na Alemanha verificou que, de fato, essa relação é boa para todas as partes. Os dados observados pelos pesquisadores indicam que os avós que cuidam de seus netos têm 37% menos risco de morte em comparação a outras pessoas que, com a mesma faixa etária, não têm esse tipo de convivência.
Atos de cuidado devem ser abrangentes
São diversas as formas como netos podem prestar assistência a seus avós, sendo bem-vindos desde atos de cuidado em relação à saúde física até a simples disponibilidade de tempo e de atenção.
No caso do gesto de Victor Colombelli, que maquiou a sua bisavó, dona Idalina Maria, para a festa de 100 anos dela, como a reportagem de O TEMPO mostrou recentemente, vale lembrar que, embora as intervenções estéticas sejam direcionadas à aparência física, seus resultados podem impactar positivamente na nossa saúde mental. É isso que explica a psicóloga comportamental Tatiana Zanatto. “Todo comportamento é a expressão de um sentimento. Quando buscamos comportamentos que levam ao hábito de cuidar da nossa beleza, estamos expressando o quanto temos apreço por nós mesmos”, pontua. Segundo a psicóloga, esse tempo investido no autocuidado é precioso porque retrata um momento dedicado especialmente para a pessoa. “É um momento precioso porque nele você se prioriza. E se priorizar eleva a autoestima”, conclui.
*Fonte: O Tempo