O Procon-MG, órgão do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), anunciou o lançamento do Programa de Atendimento ao Superendividado (PAS), iniciativa inédita que vai garantir aos consumidores muito endividados o apoio de uma equipe multidisciplinar para negociação das dívidas e educação financeira. O PAS é fruto de uma parceria entre o MPMG, Prefeitura de Belo Horizonte, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Defensoria Pública de Minas Gerais e Faculdades Milton Campos.
O PAS chega com o intuito de dar efetividade às inovações trazidas pela Lei 14.181/2021, também conhecida como “Lei do Superendividamento”. Em vigor desde julho do ano passado, a legislação atualizou o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e estabeleceu um novo regime jurídico de prevenção e tratamento do superendividamento no Brasil. Publicada em julho de 2021, trouxe avanços como a renegociação das dívidas em bloco, a extensão do prazo para pagamento em até 5 anos, a preservação do mínimo existencial, a possibilidade de suspensão de dívidas e até mesmo seu cancelamento, quando comprovadamente concedida de forma abusiva.
Além da renegociação das dívidas em bloco, o PAS tem o escopo de atender, orientar e educar os consumidores para que readquiram o controle financeiro, a fim de garantir a subsistência individual e de suas famílias nos limites do respectivo orçamento, promovendo, com isso, a inclusão socioeconômica do superendividado na sociedade.
Na solenidade de lançamento, realizada nesta terça-feira, dia 19, o coordenador do Procon-MG, Glauber Tatagiba, destacou que a iniciativa visa resgatar um direito fundamental e a “cidadania de pessoas de boa fé”. Ele analisou que a sociedade passa pela terceira revolução monetária da história _ as duas primeiras foram as criações da moeda e do sistema bancário _ com o advento do dinheiro eletrônico. “Nunca foi tão fácil a concessão de crédito. Temos que nos reinventar, criar ações para fazer frente aos novos desafios”, ressaltou Tatagiba, lembrando que nesta mesma data o Procon-MG comemora seus 40 anos.
O presidente da Junta Recursal do Procon-MG, Geraldo de Faria Martins da Costa, em mensagem por vídeo, disse que o superendividamento é um “flagelo social” e o PAS vem coroar os esforços para atender pessoas nessa situação. Já o presidente da Primeira Turma da Junta Recursal do Procon-MG, Giovanni Mansur Solha Pantuzzo, alertou que a falta de educação financeira é um dos fatores que agrava o problema e disse que a solução do superendividamento é de interesse de toda a cadeia produtiva.
Parceira do PAS, a Faculdades Milton Campos foi representada pelo diretor acadêmico Paulo Tadeu Righetti Barcelos, que falou sobre o momento econômico atual, marcado pela pressão inflacionária, pandemia e conflito entre Rússia e Ucrânia. “Esses fatores agravaram as consequências da pandemia e contribuíram para elevação do nível de endividamento, o que compromete o desenvolvimento”. A professora titular e diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Cláudia Lima Marques, também participou remotamente. “Minas dá exemplo de pioneirismo ao país com a criação do PAS, no momento em que a lei está sendo implementada”, analisou.
Para a defensora pública e coordenadora especializada do consumidor, Sabrina Torres Lamaita Ielo, o superendividamento se mostra como uma doença que consome parte da sociedade. “Só unindo forças podemos trazer esse consumidor hipossuficiente de volta”, afirmou. Igor Carlos Carvalho de Couto, diretor do Procon-BH, contou que a ação fará diferença para a vida de muitas famílias. “Vamos tentar que elas tenham sossego para que possam voltar à sociedade”.
A juíza adjunta do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), Dênia Francisco Corgosinho, afirmou que o PAS facilitará o alcance da lei 14.181 ao cidadão e reduzirá o descaso das empresas com as pessoas endividadas. Lilian Salgado, diretora do Instituto de Direito Coletivo, disse que o PAS é um marco histórico para Minas e Luciana Atheniense, representando a OAB-MG, reafirmou a necessidade de mediação e bom senso para lidar com o consumidor hipervulnerável.
Por fim, em vídeo o procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares Júnior, parabenizou o Procon-MG pelos 40 anos, marcados por importantes avanços na defesa do consumidor. “Minas é um dos poucos estados que pode se orgulhar de ter um Procon ligado ao Ministério Público, temos um Procon forte, atuante e que vem se preparando para os novos desafios surgidos com a digitalização acelerada da economia”. Ele enumerou investimentos em novos programas de fiscalização e atualização de processos, em inteligência artificial e em projetos que possam responder aos anseios do consumidor, como o Programa de Atendimento ao Superendividado.
Por se tratar de um serviço piloto em Minas Gerais, o Programa de Atendimento ao Superendividado (PAS) será implementado, inicialmente, no Núcleo Intregrado de Atendimento ao Consumidor, e só serão atendidos os consumidores previamente agendados.
Acolhimento aos superendividados
Um grupo de cerca de 15 consumidores superendividados foi recebido na tarde desta terça-feira no Procon-MG para dar início aos trabalhos do PAS. O professor da Universidade Franciscana de Santa Maria (RS) e especialista em tratamento de consumidor superendividado, Vítor Hugo do Amaral Ferreira, acolheu os consumidores, explicando o funcionamento do programa. “Vocês não estão recebendo perdão da dívida, estão entrando em um programa e têm que estar cientes do que vão pagar, em melhores condições, e ter o compromisso de não se endividar de novo”, apontou. Segundo o professor, a solução não pode ser feita em um único atendimento. “É como receber várias doses de medicamento”. Ele disse que ninguém está imune aos “acidentes da vida” _ doenças, morte, perda do emprego, que, aliados à oferta excessiva de crédito, podem contribuir para a perda de controle financeiro.
A coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, veio de São Paulo para observar o funcionamento do PAS e disse que a implementação da lei 14.181 é um momento especial. “O crédito tem papel relevante, mas é preciso ser o bom crédito e não este usado para rolar as despesas do dia a dia. O cenário econômico empurra a sociedade para este crédito”, reclamou.
Um dos superendividados, um senhor de 62 anos que preferiu não se identificar, contou que, além dos problemas de saúde, o filho e a mulher perderam o emprego na pandemia e ele se endividou exageradamente para manter a família. “Eu fiz vários empréstimos no mesmo banco, no ano passado eles não descontavam por causa da pandemia, mas, em 2022, começaram a cobrar tudo, eles levam minha aposentadoria toda e uso o cheque especial pra pagar o aluguel e não morar na rua. Estou devendo água e luz também”, contou.
A leiturista de uma concessionária de energia Kênia Cristina Nogueira da Rocha de Oliveira foi outra que se interessou pelo PAS. Ela começou a contrair dívidas com a morte do marido, em 2014. Como pensionista, passou a fazer empréstimos e hoje tem mais de 60% da renda comprometida com pagamentos de parcelas, impossibilitando a subsistência. “Eu espero agora colocar minha vida em ordem, quitar o que devo e não cair mais nessa cilada”.
Após a reunião de acolhimento, os consumidores superendividados foram levados ao Núcleo Integrado de Atendimento ao Consumidor (Niacon), onde responderam questionário sobre valores e para quem devem. Audiências de conciliação serão marcadas para tentar uma solução que não comprometa a subsistência dos consumidores. No caso de não haver acordo, será possível contar com o apoio da Defensoria Pública para ajuizar ações. Os participantes passarão também por oficinas de educação financeira. Segundo o coordenador do Procon-MG, Glauber Tatagiba, todos os meses será divulgado um ranking com as empresas mais reclamadas.
*Fonte: Ministério Público de Minas Gerais